SEGURANÇA DE BARRAGENS
Acidentes evidenciam importância de nova legislação

A ausência de números confiáveis e de um arcabouço legal capaz de disciplinar a construção, manutenção e fiscalização de barragens evidencia a importância da aprovação pelo Congresso, ainda em 2008, da Política Nacional de Segurança de Barragens. É o que acreditam dois especialistas no assunto, associados da ABMS: Rogério Menescal, superintendente de Gestão e Estudos Hidroenergéticos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e Carlos Henrique Medeiros, coordenador de projetos da SRH (Secretaria de Recursos Hídricos da Bahia) e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Dos mais de 70 acidentes com barragens ocorridos no Brasil nestes dois primeiros meses de 2008, dois casos mereceram atenção especial da mídia e dos especialistas. O mais recente foi o rompimento parcial, em 30 de janeiro, da barragem da Usina Hidrelétrica de Espora, localizada no Sudoeste de Goiás, que tem 1.500 metros de extensão e 45 metros de altura. O extravasamento da água acumulada no reservatório isolou cidades, alagou fazendas e causou prejuízos ambientais e materiais à população. A usina estava em operação desde setembro de 2006 e produzia 32 megawatts de energia. Clique aqui para assistir a reportagem sobre o acidente. Ou leia reportagem do UOL sobre o mesmo tema.

Pouco antes, houve o rompimento da barragem da pequena Usina Hidrelétrica Rondon 2 (Apertadinho), situada no município de Vilhena, em Rondônia. O acidente aconteceu na tarde do dia 9 de janeiro, levando à ruptura de 60 metros da barragem principal. Em pouco mais de três horas, a água represada no lago de 10 km de extensão por 1 km de largura vazou, inundando 280 hectares de floresta e assoreando o rio Comemoração. Clique para assistir a reportagem sobre o acidente.

A maioria destes 70 acidentes de 2008 aconteceu em pequenas barragens de usos múltiplos localizadas no Espírito Santo, informa Rogério Menescal, superintendente de Gestão e Estudos Hidroenergéticos da Aneel, a Agência Nacional de Energia Elétrica, entidade que regulamenta e fiscaliza o setor. O fenômeno não é novo. Em 2004, no Nordeste, por conta do volume de chuvas e de outros fatores associados, houve o rompimento de mais de 400 barragens, diques e açudes.

Há casos graves. No dia 10 de janeiro de 2007 (foto), uma barragem da Mineradora Rio Pomba Cataguazes, que beneficia bauxita extraída do solo, rompeu-se, liberando 400 milhões de litros de lama de argila, misturada com óxido de ferro e sulfato de alumínio, no Rio Fubá, que é um sub-afluente do Paraíba do Sul.  O fornecimento de água para os municípios da região ficou interrompido por vários dias. Em 2003, mais de 1 bilhão de litros de rejeitos químicos da indústria Cataguazes de Papel vazaram com o rompimento de um dique, jogando um líquido de cor escura nas águas do Rio Pomba, afluente do Paraíba do Sul. Durante 20 dias, 500 mil pessoas ficaram sem água.

PERDA DE PRESTÍGIO

“A engenharia brasileira de barragens é considerada uma das melhores do mundo”, lembra Carlos Henrique Medeiros, que é coordenador de projetos da SRH e diretor regional do CBDB na Bahia. Os acidentes freqüentes, envolvendo barragens de diversos tipos, podem abrir uma fenda nesta boa avaliação. “É notória a perda de prestígio e credibilidade da nossa engenharia”, acredita Medeiros.

Para ele, a maioria dos problemas acontece na gestão do empreendimento. Decisões erradas no campo administrativo e na organização abrem caminho para falhas de engenharia. O engenheiro dá alguns exemplos de erros comuns de gestão, tais como “prazos inexeqüíveis, preços irreais, contratação de empresas e profissionais sem a devida qualificação técnica e conflito de interesses, com profissionais atuando ao mesmo tempo como projetista consultor e construtor em várias frentes e processos”.

Um dos efeitos desse confuso emaranhado legal e administrativo é que as informações técnicas ficam sob domínio de poucos – o que pode ser fatal para o exame das causas reais dos acidentes, quando eles ocorrem. “São muitos os acidentes sem explicação”, lembra Medeiros.  “Muitas vezes nós, engenheiros, acabamos conhecendo apenas as informações que a mídia divulga sobre as possíveis causas dos acidentes”.

Medeiros acredita que a ABMS e outros órgãos de caráter técnico e científico, inclusive a comunidade acadêmica, devem participar ativamente dos debates sobre as causas dos acidentes, contribuindo para identificar a origem dos problemas e, principalmente, para reduzir o risco de novos acidentes. “É a imagem da engenharia brasileira que está em jogo”, disse.


SEGURANÇA É QUESTÃO LEGAL

Na visão dos dois especialistas ouvidos pela ABMS, a solução estrutural dos problemas apontados passa pela aprovação, ainda em 2008, do Projeto de Lei 1181/03, que institui a Política Nacional de Segurança de Barragens.Apresentado em 2003, o projeto em tramitação é o substitutivo aprovado pela Comissão de Minas e Energia da Câmara e pela Comissão de Meio Ambiente. A matéria está agora na Comissão de Constituição e Justiça e deve ser remetida em breve para o Senado, onde passará ainda por duas ou três comissões.

A hipótese de aprovação talvez ainda no primeiro semestre de 2008 é considerada viável por Rogério Menescal, superintendente da Aneel, a Agência Nacional de Energia Elétrica. Ele é um dos principais incentivadores e coordenadores dos debates sobre o tema. Seu otimismo está embasado essencialmente em dois fatores principais. O primeiro foi a participação, nas discussões do projeto de lei, de todos os agentes ligados ao tema: setores de energia, mineração, irrigação, abastecimento, órgãos públicos municipais e estaduais, entidades civis e proprietários de barragens. “A discussão levou cinco anos e foi ampla e exaustiva; chegamos a um consenso, que é o substitutivo em tramitação no Congresso”, explica Menescal.  O outro ponto favorável é a urgência na implantação de uma legislação nacional para disciplinar a construção e a fiscalização de barragens.

Um dos fóruns para esse debate foi o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, presidido pelo ministro do Meio Ambiente e que conta com 57 conselheiros, representando órgãos públicos federais e estaduais, além de organizações civis. As contribuições aprovadas no âmbito do Conselho foram incorporadas ao substitutivo do então deputado Ronaldo Dimas, aprovado em 13 de dezembro de 2006 pela Comissão de Minas e Energia da Câmara. Esta é a versão final do projeto. Saiba aqui o que é a nova Política Nacional de Segurança de Barragens.

O que é a nova Política

A Política Nacional de Segurança de Barragens, cuja implantação está prevista no Projeto de Lei 1181/03, vai superar um vazio legal e dirimir conflitos entre diferentes legislações. Hoje, não há um arcabouço jurídico único, de âmbito nacional, capaz de disciplinar a construção e fiscalização de barragens – seja de que tipo for. Existem, na verdade, inúmeras regras, normas e dispositivos jurídicos emanados pela União, estados e municípios, além do Distrito Federal, que buscam disciplinar a mesma matéria, criando conflitos.

O resultado prático é que, muitas vezes, não se sabe direito quem é o responsável legal por uma barragem. Na verdade, nem sequer há um levantamento preciso do número de espelhos d’água existentes no país. Estima-se que o total gire em torno de 300 mil represas. Para superar a falta de dados, o projeto prevê a implantação do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens, que permita monitorar as barragens e evitar acidentes.

As informações mais confiáveis são de um levantamento do Ministério da Integração Nacional, em parceria com a Fundação Cearense de Meteorologia. Através de imagens de satélite feitas em 2005, o “Mapeamento dos Espelhos D’Água do Brasil” chegou a um número entre 15 mil e 20 mil reservatórios com mais de 20 hectares de espelho d’água ou mais de um milhão de metros cúbicos. É este universo que está no escopo principal da nova legislação. Também podem ser objeto da nova legislação, em razão do seu risco potencial, os barramentos de resíduos industriais e outros produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde.


QUATRO TIPOS DE BARRAGENS

A nova Política trata de quatros tipos de barragens:
1. Mineração
2. Geração hidrelétrica
3. Contenção de resíduos industriais
4. Barragens de usos múltiplos: Irrigação, Abastecimento, Navegação, Piscicultura, Turismo etc.

O projeto fixa claramente as atribuições de fiscalização. “Respeitou-se o pacto federativo”, explica Rogério Menescal. “Procurou-se descentralizar a fiscalização e o controle”. A União cuidará de barragens de mineração, as de geração hidrelétrica e outras construídas em rios federais. Já estados e municípios serão responsáveis por barragens de contenção de resíduos industriais, que envolvem o meio ambiente e a saúde, além de barragens de usos múltiplos, quando se tratar de rios estaduais.

Entre as principais novidades do projeto está a definição clara de que o proprietário é o responsável pela barragem, devendo seguir as exigências legais e técnicas. Haverá uma classificação de acordo com o potencial de risco associado (baixo, médio e alto) que a barragem oferece em relação à vida, à saúde, ao meio ambiente e à atividade econômica.

Rogério Menescal lembra que as barragens deverão ter um RESPONSÁVEL TÉCNICO. A definição precisa do perfil deste profissional caberá ao Sistema CONFEA/CREA. O superintendente da Aneel espera que o projeto instituindo a Política Nacional de Segurança de Barragens seja aprovado em 2008 – talvez até no primeiro semestre. “Será um avanço inegável para o País”.

Carlos Henrique Medeiros acredita que o engenheiro geotécnico terá um papel importante a exercer nesta nova configuração jurídica e técnica. “Cerca de 40% das rupturas de barragens são devidas a problemas nas fundações. O engenheiro geotécnico é um elemento estratégico para alterar esse estado de coisas”. Medeiros quer o engajamento de todos os geotécnicos em defesa da aprovação do PL 1181/03. “Está mais do que na hora de termos uma regra válida para todo o país, fixando regras e parâmetros mínimos de segurança e fiscalização para as barragens.”