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“CARTA DE JOINVILLE”

Reunidos em Joinville no Seminário “Deslizamentos em Santa Catarina: causas, consequências, medidas emergenciais e ações futuras”, engenheiros geotécnicos ligados à Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS) apresentaram uma visão geral do que foram os principais acidentes que afetaram 59 municípios daquele Estado no final de 2008, provocando 135 mortes e milhares de desabrigados.

Participaram do Seminário representantes de prefeituras e técnicos do setor público e privado. No encontro, os engenheiros geotécnicos da ABMS que participaram diretamente dos trabalhos de socorro às vítimas e à região apresentaram as suas conclusões sobre algumas das principais causas dos deslizamentos e sugeriram ações preventivas para evitar os efeitos catastróficos em acontecimentos semelhantes no futuro.

A ABMS sintetiza nesta “Carta de Joinville” as conclusões deste corpo de especialistas. Um dos objetivos deste documento é o de oferecer a Santa Catarina e ao Brasil a contribuição técnica da ABMS e de seu corpo de associados à compreensão deste desastre de proporções históricas.

Outra finalidade da Carta é a de sugerir ações preventivas que se forem adotadas hoje podem evitar, eliminar ou reduzir substancialmente a perda de vidas humanas, além de minimizar os prejuízos materiais. O documento não se propõe, no entanto, como um estudo definitivo.

Trata-se de um ponto de partida para que sejam adotadas novas posturas em relação às questões geológicas e geotécnicas, substituindo abordagens empíricas por ações fundamentadas no conhecimento técnico e científico acumulado pelo homem nesse campo. O documento está dividido em duas partes – a que identifica algumas das principais causas dos deslizamentos e a que sugere e propõe ações preventivas.

Possíveis causas

  1. O desastre teve como causas principais uma excepcional precipitação de chuvas, especialmente entre os dias 20 e 23 de novembro, quando cerca de 750 mm foram registrados em certas estações de medição. Antes disso a região assistiu a chuvas praticamente contínuas durante três meses. A combinação desses dois eventos pluviométricos foi fundamental para a ocorrência dos deslizamentos;
  2. A excessiva concentração de chuvas em alguns poucos dias, antecedida por um período longo de precipitações, provocou o deslizamento de milhares de cortes de terreno e de encostas naturais e ainda uma enchente muito rápida e de grandes proporções;
  3. Nas áreas urbanas foram registrados milhares de escorregamentos com danos e destruição de residências e infra-estrutura pública e privada;
  4. Não há dúvida que a ocupação desordenada de certas áreas aumentou o número e a magnitude dos acidentes nas regiões urbanas. No entanto, é preciso apontar que diversas áreas com ocupação regularizada também apresentaram rupturas destrutivas;
  5. Nas áreas rurais, foram observadas rupturas de grandes proporções, em locais com intervenção humana, mas também onde não havia ação antrópica e sim vegetação nativa. As rupturas nas áreas rurais envolveram volumes de dezenas de milhares de toneladas de solo, com destruição de residências, indústrias, estradas e acessos e causando grande número das mortes;
  6. Salienta-se mais uma vez que as rupturas da área rural, especialmente nos municípios de Luis Alves, Gaspar e Ilhota, envolveram muitas áreas com mata virgem e outras com plantações, não havendo um padrão preferencial claro – fato que merece estudo mais aprofundado;
  7. Diversas destas rupturas tiveram características classificadas como “corridas” por causa da grande velocidade da massa deslizante. Tais corridas criaram enxurradas que destruíram pontes e drenagens, causando algumas vezes o barramento de corpos de drenagem, o que agravou, por sua vez, as enchentes.

Conclusões e medidas preventivas
Com base nos relatos e fatos enumerados acima, pode-se esboçar as seguintes conclusões e proposições:

  1. O acidente de novembro passado foi de grande monta para qualquer sociedade. Sua causa primordial foi a chuva torrencial extrema ocorrida após um longo período de chuvas contínuas;
  2. Muitos dos deslizamentos tiveram uma característica destrutiva devido à ruptura de solos saturados e ao processo conhecido como liquefação dos solos, levando a movimentos de grande velocidade;
  3. Não é possível estabelecer uma lista única de causas para todos os deslizamentos ocorridos. Cada um deles possui características particulares geológico-geotécnicas, topográficas, relativas ao fluxo de água, à vegetação, e outros fatores. Foram acontecimentos que envolveram processos naturais e, em muitos casos, com a intervenção humana difícil de ser quantificada. Desta forma, é premente o desenvolvimento de estudos mais aprofundados dos processos envolvidos e dos fatores intervenientes no desencadeamento dos deslizamentos em âmbito local;
  4. É necessário mapear a região do ponto de vista geológico-geotécnico, de forma a permitir avaliações de níveis de risco para eventos similares, que poderão se repetir;
  5. Tendo em vista os elevados danos sofridos em certas áreas, deve-se proceder a avaliações de risco geotécnico, de forma a estabelecer níveis de restrição de uso do solo, respeitando também as questões ambientais;
  6. O Poder Público e os técnicos locais deverão reavaliar os procedimentos construtivos que estavam sendo adotados nos últimos anos, em face das observações técnicas advindas deste evento, que mostrou uma nova realidade do ponto de vista da presença da água nos solos;
  7. É necessário o desenvolvimento de planos de gestão de áreas de risco, com plano de ação em caso de chuvas críticas, inclusive com o sistema de previsão metereológica capaz de prever chuvas com grande antecedência;
  8. É necessária a realização de estudos mais completos de modo a caracterizar os diversos processos ocorridos. Esta caracterização permitirá uma definição mais precisa dos sistemas de monitoramento e dos níveis de alerta. Além do monitoramento das chuvas, recomenda-se que a monitoração da evaporação seja sistematicamente realizada nestas áreas para estabelecer um modelo técnico mais adequado para analisar o comportamento dos solos da região;
  9. Com base nos estudos adicionais deve-se implantar um programa de instrumentação para servir de alerta a futuros acidentes;
  10. Recomenda-se o desenvolvimento de critérios de alerta baseados em parâmetros de fácil medição (pluviometria, evaporação, umidade do solo, deslocamentos superficiais etc.);
  11. É fundamental que sejam treinados técnicos das diversas instituições envolvidas para não só gerenciar os sistemas de alerta, mas também para atuar nos eventuais acidentes;
  12. Deve-se criar um programa de educação básica para a população com o objetivo de divulgar noções básicas sobre os fenômenos envolvidos neste tipo de eventos;
  13. É importante lembrar que há em nosso país muitas outras regiões de encostas com ocupações urbanas e rurais, que precisam e devem ser mapeadas para identificar sua suscetibilidade a escorregamentos e corridas de massas, e desta forma orientar sua ocupação. Tragédias como esta podem ocorrer em outros locais deste imenso país, com solos e clima que criam ambientes com grande possibilidade de escorregamentos.
  14. A implementação das ações propostas neste documento por parte das autoridades governamentais, utilizando a experiência dos modelos de ação e abordagens existentes em locais onde tragédias como esta já ocorreram é fundamental para a superação dos riscos no futuro.

Por fim, a ABMS se solidariza com o povo catarinense nesta hora de reconstrução e colocamos nossa equipe técnica à disposição para cursos e treinamento. Conscientes de que fizemos o possível, ao lado de outras Instituições, para socorrer as regiões afetadas, cumprimentamos a Defesa Civil pelo trabalho de coordenação realizado nos dias seguintes ao desastre.

ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica) reúne a comunidade geotécnica do Brasil – empresas, engenheiros e demais técnicos especializados em geotecnia. É uma entidade sem fins lucrativos, criada em 1950 e voltada ao desenvolvimento da Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica no Brasil. Visite o site da ABMS (www.abms.com.br).

Associação Brasileira de Mecânica dos
Solos e Engenharia Geotécnica
www.abms.com.br
Joinville, julho de 2009

 
 
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